A Cura . Тхе Хеал : Capítulo 1

O Plano . План

IMG_5743De algum jeito estanho, nossa liberdade é uma gaiola. Seres humanos são apenas canários confinados em jaulas invisíveis.

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Manhã de quinta-feira. A luz vinda das cortinas entre abertas dava formato a poeira do ar. Outro dia de inverno, daqueles que até respirar dói.

Sentada na cama prestes a colocar os pés no chão gelado. O corpo estremece. Eu sabia que ele iria telefonar.

Mais de seis meses se passaram desde a primeira conversa com Alek. Temos um encontro marcado para sábado. Poderia até parecer uma situação normal… se ele não fosse um matador de aluguel… e não estivesse em outro continente.

Me apoio na mesa de cabeceira para levantar. Seria hoje o último dia normal da minha vida? Eu ainda não sabia, porém deveria ter me preparado melhor.

Nas últimas semanas de Junho paguei todas as dívidas, fechei contas no banco… tinha que desaparecer. Aos poucos fui abandonando as redes sociais. Para cada conhecido, inventei uma desculpa. Mudança para outro país, trabalho em outro estado, ano sabático e muitas outras coisas que hoje não me lembro mais.

Era pouco mais de 10 horas quando o telefone tocou. Era ele. Me perguntou se eu já tinha feito a mala. Eu disse que sim, mas era mentira. Não havia nada que eu quisesse levar.

Eu deveria viajar na manhã seguinte para Amsterdã e de aí para Belgrado. Horas me separavam do momento que planejamos durante tanto tempo.

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A entrada para a torre da velha igreja era minúscula.
No interior da sacristia, poucos turistas. Alguns faziam suas preces, outros fotografavam.

As paredes refletiam o chão dourado e as esculturas barrocas deixavam o ambiente e o ar ainda mais frios. Lembro do vento cortando o meu rosto e do casaco vermelho que me acompanhou durante aquela viagem.

Caminhei até o altar e acendi uma vela. Orei pela minha família no outro lado do oceano e pela nova família que eu acabava de conhecer naquele lugar.

Marko tocou no meu ombro.
– Vamos subir enquanto ainda não tem muita gente.

Agachei para passar pela portinha. Todos os degraus eram de madeira. Me lembro do medo que senti ao olhar para cima. A escadaria parecia não ter mais fim.
Comecei a subida me apoiando nas paredes de pedra que pareciam mais seguras do que a própria escada. Eu sentia a brisa do oceano passando pelas frestas da parede húmida e a cada passo da subida o coração batia mais forte.

Em certos pontos, as pedras davam espaço a pequenas janelas, de onde se podia ver a cidade.

Até hoje eu consigo sentir o cheiro daquele lugar. Um misto de maresia com merda de pombo.

Olhar degraus a baixo era ainda mais assustador. ¨Como é que eu vou descer isso depois?¨, pensava. Marko estava lá para me ajudar. Não iria deixar nada acontecer comigo.

Meu martírio durou quarenta minutos. Falta de ar, ânsia de vomito. Eu não tinha ideia do que estava por vir.

Ao chegar, a bela vista da cidade de Rovinj fez quase tudo valer a pena. Hoje não me lembro mais das cores e nem do formato do sino. Sei que senti frio e muita raiva de Marko por ter subido sem olhar pra trás.


 

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